Jeremy Scahill

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Der us-amerikanische Journalist, Autor und Filmemacher Jeremy Scahill (* 18.10.1974 in Chicago, Ill.) ist bekannt für das Buch „Blackwater: Der Aufstieg der mächtigsten Privatarmee der Welt“ und sein später verfilmtes Werk „Dirty Wars: The World Is a Battlefield“. Er ist Korrespondent für Sicherheitspolitik beim Magazin The Nation und war für Democracy Now! tätig. Mit Laura Poitras und Glenn Greenwald ist er seit 2014 ein zentraler Mitarbeiter von The Intercept.

Auszug aus seinem Buch Guerras Sujas. Companhia dsa Letras (2014):

1. “Havia a preocupação […] de não criar uma lista negra americana” WASHINGTON, DC, 2001 -2 — Eram dez horas da manhã de 11 de junho de 2002,1 nove meses depois dos ataques do Onze de Setembro. Senadores e representantes entravam em fi la na sala S -407 do Capitólio dos Estados Unidos. Todos eram membros de um pequeno grupo de elite de Washington e, por lei, guardiães dos mais reservados segredos do governo americano. “Proponho por meio desta que a reunião da comissão seja fechada ao público”, disse o republicano Richard Shelby, um dos senadores pelo Alabama, com sua fala arrastada de sulista, “com a justifi cativa de que a segurança nacional dos Estados Unidos poderia fi car comprometida se os trabalhos se tornarem públicos”. A moção foi apoiada sem demora e a sessão secreta começou. Enquanto os membros da Comissão Especial de Inteligência do Senado e a Comissão Especial Permanente de Inteligência da Câmara dos Representantes se reuniam em Washington, DC, do outro lado do mundo, no Afeganistão, líderes políticos e tribais participavam de uma loya jirga,2 ou “grande conselho”, incumbida de decidir quem governaria o país depois da pronta derrubada do governo talibã pelas Forças Armadas dos Estados Unidos. Depois do Onze de Setembro, o Congresso americano concedeu ao governo Bush amplos poderes para perseguir os responsáveis pelos ataques. O governo talibã, que dirigia o Afeganistão desde 1996, tinha sido esmagado, privando a Al -Qaeda de seu santuário no país. Osama 26 bin Laden e outros líderes da organização estavam foragidos. Mas para o governo Bush, a longa guerra estava apenas começando. Na Casa Branca, o vice -presidente Dick Cheney e o secretário de Defesa Donald Rumsfeld se concentravam no planejamento da invasão seguinte: a do Iraque. Tinham chegado ao poder com o plano de derrubar Saddam Hussein e, apesar de não haver ligação do Iraque com o Onze de Setembro, esses ataques foram usados como pretexto para pôr tal projeto em prática. Mas as decisões tomadas no primeiro ano do governo Bush iam muito além do Iraque, do Afeganistão e até mesmo da Al -Qaeda. Os homens do poder naquele tempo estavam determinados a mudar a forma como os Estados Unidos travavam suas guerras e, no processo, atribuir um poder sem precedentes à Casa Branca. Os dias de combate contra inimigos fardados e exércitos nacionais, segundo as regras das Convenções de Genebra, tinham terminado. “O mundo é um campo de batalha” era o mantra repetido pelos neoconservadores dos aparatos de segurança dos Estados Unidos e mostrado em slides de PowerPoint para destacar os planos de uma guerra global, avassaladora e sem fronteiras. Mas os terroristas não seriam o único alvo. Os mecanismos de controle próprios do sistema democrático em vigor havia duzentos anos estavam no centro de interesse daqueles homens. A sala S -407 fi cava no sótão do edifício do Capitólio. Não tinha janelas, e o acesso a ela se dava por um único elevador ou uma escada estreita. Considerada uma dependência de segurança, estava equipada com sofi sticados dispositivos de contraespionagem3 para impedir qualquer tentativa de escuta ou monitoramento externo. Durante décadas, tinha sido usada para os mais delicados briefi ngs feitos aos membros do Congresso pela CIA, pelas Forças Armadas americanas e por dezenas de outras fi guras e entidades que povoam as sombras da política americana. Nessa sala, que estava entre as poucas em que os segredos mais bem guardados da nação eram discutidos, ações secretas eram explicadas e avaliadas. Quando se instalaram para a reunião a portas fechadas na Colina do Capitólio naquela manhã de junho de 2002, senadores e representantes ouviram uma história de como os Estados Unidos tinham ultrapassado um limiar. O propósito declarado da sessão era rever o trabalho e a estrutura das organizações contraterroristas americanas de antes do Onze de Setembro. Na época, muitos dedos apontaram as “falhas” da Inteligência americana que levaram àqueles acontecimentos. Depois daquele que foi o mais devastador ataque terrorista da história praticado em solo americano, Cheney e Rumsfeld acusaram o governo Clinton de não ter 27 reconhecido a iminência da ameaça da Al -Qaeda, deixando o território americano vulnerável na época em que Bush assumiu o poder. Os democratas contra- -atacaram e invocaram sua própria história de combate à Al -Qaeda na década de 1990. A apresentação de Richard Clarke aos legisladores americanos nesse dia em especial pretendia, em parte, mandar uma mensagem à elite do Congresso. Clarke tinha sido o tzar do contraterrorismo do presidente Bill Clinton e liderou o Grupo de Segurança Contraterrorista do Conselho de Segurança Nacional (CSN) durante a década que precedeu o Onze de Setembro. Também trabalhou no CNS do primeiro presidente Bush e foi secretário assistente de Estado no governo do presidente Ronald Reagan. Era um dos funcionários mais experientes4 em contraterrorismo dos Estados Unidos e, na época da sessão, estava saindo do governo, embora ainda mantivesse o cargo de conselheiro especial do segundo presidente Bush para segurança ciberespacial. Clarke, personagem da linha -dura que ganhou destaque num governo democrata, era conhecido por ter batalhado em favor de mais ações secretas5 quando Clinton estava no poder. Assim, era compreensível que o governo Bush o aproveitasse para defender um regime cujas táticas militares e de Inteligência tinham sido anteriormente classifi cadas de ilegais, antidemocráticas ou simplesmente arriscadas. Clarke disse que na era Clinton o diálogo dentro da comunidade de segurança nacional era marcado por grande preocupação com a possibilidade de violar uma antiga proibição presidencial de assassinato e por muito medo de repetir escândalos do passado. Disse ainda que, em sua opinião, criara -se na CIA “uma cultura segundo a qual quando se fazem operações secretas em grande escala, elas se embaralham, fogem de controle e acabam respingando na Agência”.6 “A história das operações secretas nas décadas de 1950 a 1970 não foi feliz”, disse Clarke aos legisladores. A CIA orquestrou a deposição de governos populistas na América Latina e no Oriente Médio, apoiou esquadrões da morte em toda a América Central, instrumentalizou o assassinato do líder rebelde Patrice Lumumba no Congo e fomentou a ação de juntas militares e ditaduras. O dilúvio de assassinatos fi cou tão fora de controle que em 1976 um presidente republicano, Gerald Ford, precisou editar a Ordem Executiva 11 905 que proibia explicitamente os Estados Unidos de levar a termo “assassinatos políticos”.7 Os funcionários da CIA que tinham atingido a maturidade naquela era de sombras e chegaram a posições de comando durante a década de 1990, segundo Clarke, “tinham institucionalizado [a ideia de que] a ação secreta é arriscada e costuma sair pela culatra. E os 28 sabichões da Casa Branca que estão pressionando em favor de ações secretas vão desaparecer quando [a Comissão de Inteligência do Senado] exigir prestação de contas sobre a bagunça que aquela ação secreta se tornou”. O presidente Jimmy Carter emendou a proibição do assassinato implementada por Ford para torná -la mais abrangente. Alterou os termos que limitavam a proibição a assassinatos políticos e estendeu -a a assassinatos praticados por terceiros, contratados pelos Estados Unidos. “Nenhuma pessoa empregada pelo governo dos Estados Unidos ou agindo em seu nome poderá se mobilizar ou conspirar a favor da mobilização para assassinato”,8 dizia a ordem executiva do presidente Carter. Embora o presidente Reagan e o primeiro Bush tenham mantido esses termos, nenhuma resolução presidencial defi nou o que constituiria um assassinato. Tanto Reagan quanto o primeiro Bush e Clinton contornaram a proibição. Reagan, por exemplo, autorizou um ataque à casa do ditador líbio Muammar Kadafi 9 em 1986, como retaliação por sua suposta participação num ataque a bomba contra uma boate em Berlim. O primeiro presidente Bush autorizou ataques contra os palácios de Saddam Hussein durante10 a Guerra do Golfo de 1991. Clinton fez o mesmo durante a operação Raposa no Deserto11 em 1998. Clarke relatou para os legisladores que, no governo Clinton, fi zeram -se planos para matar e capturar líderes da Al -Qaeda e de outras organizações terroristas, inclusive Osama bin Laden. O presidente Clinton declarou que a proibição não se aplicava a terroristas estrangeiros envolvidos em conspirações para atacar os Estados Unidos. Depois das explosões a bomba das embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia no fi m de 1998, Clinton autorizou o uso de mísseis de cruzeiro12 contra supostos acampamentos da Al -Qaeda no Afeganistão e também um ataque contra uma fábrica no Sudão que, segundo o governo americano, produzia armas químicas. No fi m, descobriu -se que a fábrica era na verdade um laboratório farmacêutico.13 Embora a autorização para ações letais tivesse sido concedida por Clinton, era considerada uma opção apenas para situações extraordinárias e somente por ordem do presidente, a depender de cada caso.14 Em vez de dar carta branca para essas operações, a Casa Branca na era Clinton exigia que cada ação proposta fosse minuciosamente verifi cada. Instituíram -se as estruturas legais e “autorizações para ações letais” foram rubricadas pelo presidente, permitindo o uso de força mortífera na perseguição a terroristas no mundo todo. Mesmo assim, disse Clarke, o gatilho raramente era acionado.15 Clarke admitiu que as autorizações da era Clinton para assassinatos específi cos 29 “parecem uma série de documentos talmúdicos e um tanto bizarros”, acrescentando que eram cuidadosamente elaborados para reduzir o alcance dessas operações. “O governo, particularmente o Departamento de Justiça, não queria abandonar a proibição do assassinato de modo a jogar fora o bebê junto com a água do banho. Queriam que os desdobramentos das autorizações fossem limitados.” Acrescentou que as autorizações da era Clinton eram como “uma seleção bem reduzida. Mas isso, penso, foi por causa desse desejo de não abandonar totalmente a proibição de assassinatos e criar uma lista negra americana”. A portas fechadas, a representante Nancy Pelosi, que estava entre os mais poderosos democratas do Congresso, orientou seus colegas a não discutir publicamente nenhum dos memorandos confi denciais que autorizassem o uso de força letal. Os memorandos, disse ela, “se enquadram na forma mais restrita de notificação, 16 no mais alto nível do Congresso. É extraordinário […] que essa informação nos seja passada aqui hoje”. Ela preveniu contra qualquer vazamento para a imprensa e acrescentou: “De jeito nenhum podemos confi rmar, negar, garantir ou admitir ter conhecimento dos memorandos”. Perguntaram a Clarke se ele achava que os Estados Unidos deveriam revogar a política de proibição de assassinatos. “Acho que é preciso ter muito cuidado com a abrangência das autorizações para uso de força letal”, ele respondeu. “Não acredito que a experiência israelense de ter uma vasta lista negra tenha sido um grande sucesso. Não foi — com certeza não deteve o terrorismo nem as organizações cujos membros foram assassinados.” Clarke disse que quando ele e seus colegas do governo Clinton deram autorização para operações de assassinato dirigido, tencionavam que houvesse casos raros e precisos. Não queríamos criar um amplo precedente que permitisse aos funcionários da Inteligência ter listas negras no futuro e se envolver habitualmente em coisas próximas ao assassinato […]. Tanto no Departamento de Justiça quanto entre elementos da Casa Branca e da CIA havia a preocupação de não criar uma lista negra americana que se tornasse uma instituição em funcionamento à qual pudéssemos apenas acrescentar nomes, tendo grupos de assalto para matar pessoas. Com tudo isso, Clarke fazia parte de um pequeno grupo de funcionários da comunidade contraterrorista do governo Clinton que se mobilizava para tornar a CIA mais agressiva no uso da autorização para ações letais e lutava para dilatar os 30 limites da proibição de assassinato. “Na esteira do Onze de Setembro”, declarou Clarke, “quase tudo o que propusemos antes dos atentados está sendo feito.” Em breve, quase tudo seria tudo e mais um pouco. Donald Rumsfeld e Dick Cheney rechearam o governo de destacados neoconservadores que tinham passado a era Clinton operando um verdadeiro governo na sombra, trabalhando com organizações de direita e para importantes grupos privados, preparando seu retorno ao poder. Entre eles estavam Paul Wolfowitz, Douglas Feith, David Addington, Stephen Cambone, Lewis “Scoot er” Libby, John Bolton e Elliott Abrams. Muitos tinham dado os primeiros passos na Casa Branca das eras Reagan e Bush. Alguns, como Cheney e Rumsfeld, já vinham da era Nixon. Muitos tinham sido atores essenciais17 na construção de uma visão política amparada pelo ultranacionalista Projeto para um Novo Século Americano (Project for the New American Century, PNAC). Apesar da decisão presidencial de usar a força na Iugoslávia e no Iraque e promover uma série de ataques aéreos a outras nações, eles viam o governo Clinton como uma posição praticamente pacifi sta que tinha debilitado a dominação americana e deixado o país vulnerável. Acreditavam que os anos 1990 tinham sido uma “década de negligência defensiva”.18 Os neoconservadores havia muito defendiam a posição de que os Estados Unidos, com o fi m da Guerra Fria, tinham se tornado a única superpotência e deviam exercer sua força com agressividade sobre o globo, redefi nindo mapas e expandindo seu império. No centro dessa visão estava um aumento radical dos gastos militares, segundo planos traçados por Cheney e seus assessores quando ele foi secretário de Defesa, em 1992. O esboço de Cheney para o Guia de Planejamento da Defesa, como afi rmavam os neoconservadores no documento de fundação do PNAC, “propunha um esquema19 para manter a preeminência americana, impedindo a ascensão de outra potência rival, moldando a ordem internacional no que se refere à segurança de acordo com os princípios e interesses americanos”. Wolfowitz e Libby foram os principais autores20 do manifesto de Cheney sobre a defesa, que afi rmava que os Estados Unidos deviam ser a única superpotência e empreender todas as ações necessárias para impedir “potenciais concorrentes21 de sequer aspirar a um maior papel regional ou global”. O plano deles, no entanto, foi descartado por forças mais poderosas22 do go31 verno do primeiro Bush, em especial o chefe do Estado -Maior Conjunto, general Colin Powell; o secretário de Estado, James Baker; e o conselheiro de Segurança Nacional, Brent Scowcroft. A versão fi nal, para frustração de Cheney e dos neoconservadores, amenizou em boa medida o tom imperialista. Uma década depois, antes mesmo do Onze de Setembro, os neoconservadores — de volta ao poder com o governo do segundo Bush — recolheram aqueles planos da lata de lixo da história e se empenharam em implementá -los. Expandir a projeção das forças americanas era essencial, assim como a constituição de unidades operacionais de elite ágeis. “Nossas forças, no próximo século, devem ser ágeis, letais, prontamente mobilizáveis e exigir um mínimo de apoio logístico”,23 declarou Bush fi lho num discurso da campanha de 1999 redigido por Wolfowitz e outros neoconservadores. “Precisamos ter condições de projetar nosso poderio a grandes distâncias, em dias ou semanas, e não em meses. Em terra, nosso armamento pesado deve ser mais leve. Nosso armamento leve deve ser mais letal. Todo ele deve ser mais fácil de mobilizar.” Os neoconservadores também vislumbravam um domínio mais efi caz dos Estados Unidos sobre os recursos naturais do planeta e o confronto direto com os Estados -nações que se interpusessem no caminho. A mudança de regime em numerosos países seria considerada com seriedade, principalmente no Iraque, rico em petróleo. “Fervorosos defensores24 da intervenção militar americana, poucos neoconservadores serviram nas Forças Armadas e menos ainda foram eleitos para cargos públicos”, observou Jim Lobe, jornalista que acompanhou a ascensão do movimento neoconservador durante a década que precedeu o Onze de Setembro. Eles tinham um “objetivo incansável de domínio militar global e desprezavam as Nações Unidas e o multilateralismo em geral”. Lobe acrescentou que na concepção neoconservadora, os Estados Unidos são no mundo uma força do bem; têm a responsabilidade moral de exercer essa força; seu poderio militar deve ser dominante; devem ser globalmente comprometidos mas jamais impedidos, por compromissos multilaterais, de tomar atitudes unilaterais em prol de seus interesses e valores; e devem ter uma aliança estratégica com Israel. Saddam deve sair, afi rmam eles, porque é uma ameaça a Israel e também à Arábia Saudita, e porque acumulou e usou armas de destruição em massa. 32 O grupo do PNAC concluiu que os Estados Unidos procuraram durante décadas desempenhar um papel mais permanente na segurança regional do Golfo. Embora o confl ito não resolvido com o Iraque proporcione a justifi cativa imediata, a necessidade de uma substancial força americana no Golfo transcende o regime de Saddam Hussein.25 Semanas depois de assumir o governo, Rumsfeld e Cheney passaram a pressionar em favor da retirada da chancela americana ao Estatuto de Roma, que reconhecia a legitimidade de um tribunal internacional de justiça, assinado pelo presidente Clinton no apagar de luzes de seu mandato. Eles não queriam que as forças americanas fi cassem sujeitas a um eventual julgamento por seus atos em todo o mundo. Assim que se tornou secretário de Defesa, Rumsfeld determinou que sua equipe jurídica — e as de outras instâncias do governo americano — descobrissem de imediato “como podemos cair fora e anular a assinatura de Clinton”.26 Mesmo na comunidade de veteranos da política externa do Partido Republicano, esses personagens eram vistos como extremistas. “Quando vimos essa gente voltando, todos os que estavam por ali disseram: ‘Meu Deus, os malucos estão de volta’27 — ‘os malucos’ — era assim que falávamos daquela gente”, lembra Ray McGovern, que trabalhou na CIA durante 27 anos, foi informante da Segurança Nacional do primeiro Bush quando este era vice -presidente e trabalhou com ele quando foi diretor da CIA, no fi m da década de 1970. McGovern disse que, uma vez no poder, os neoconservadores ressuscitaram ideias que líderes experientes em política externa tinham descartado em governos republicanos anteriores, acrescentando que essas ideias extremistas em pouco tempo “seriam resgatadas das cinzas e implementadas”. Na opinião desses homens, se “temos muito peso para distribuir, devemos distribuí -lo. Devemos nos afi rmar em áreas críticas, como o Oriente Médio”, relatou McGovern. Por décadas, Cheney e Rumsfeld foram líderes de um movimento militante que atuava fora do governo e, durante as gestões republicanas, agia dentro da própria Casa Branca. Sua missão era dar ao braço executivo do governo dos Estados Unidos poderes sem precedentes para travar guerras ocultas, praticar operações secretas sem fi scalização e espionar cidadãos americanos. Em sua opinião, o Congresso não tinha nada a ver com a fi scalização dessas operações, devendo apenas fi nanciar os órgãos que as poriam em prática. Para eles, a presidência deve33 ria ser uma ditadura de segurança nacional que responderia apenas a suas próprias convicções sobre o que era melhor para o país. Os dois homens trabalharam juntos pela primeira vez na Casa Branca de Nixon em 1969, quando Rumsfeld contratou Cheney,28 então universitário, como seu assessor no Gabinete de Oportunidade Econômica. Foi o pontapé inicial da carreira de Cheney nos centros de comando da elite republicana e do projeto de uma vida dedicada a reforçar os poderes do Executivo. Quando o escândalo se abateu sobre a Casa Branca de Nixon na década de 1970 — com os bombardeios clandestinos do Laos e do Camboja, revelados por uma lista de “inimigos” internos e a deplorável invasão do quartel -general do Comitê Democrático Nacional no hotel Watergate —, o Congresso começou a atacar29 as prerrogativas do Executivo e o sigilo extremo que permeava o governo. O Congresso condenou30 o bombardeio do Laos e do Camboja e cancelou a tentativa de Nixon de vetar a Lei dos Poderes de Guerra de 1973, que limitava os poderes do presidente para autorizar ações militares. A lei determinava que o presidente “consultasse o Congresso31 antes de lançar as Forças Armadas americanas em hostilidades ou em situações nas quais o iminente envolvimento em hostilidades esteja claramente indicado pelas circunstâncias”. Na ausência de uma declaração formal de guerra, o presidente deveria informar o Congresso, por escrito e dentro de 48 horas, sobre qualquer ação militar, “as circunstâncias que determinavam a intervenção das Forças Armadas; a autoridade constitucional e legislativa sob a qual essa intervenção ocorreria e a abrangência e duração estimadas das hostilidades ou do envolvimento”. Cheney considerava a Lei dos Poderes de Guerra inconstitucional e uma intromissão nos direitos do presidente como comandante em chefe das Forças Armadas. Ele chamou essa época de “pior momento”32 da autoridade presidencial americana. Depois que o escândalo de Watergate forçou a renúncia de Nixon, Cheney passou a chefe de gabinete do presidente Ford, e Rumsfeld tornou -se o mais jovem secretário de Defesa da história americana. Em 1975, o Congresso intensifi - cou sua investigação do submundo das operações secretas da Casa Branca, sob os auspícios da Comissão Church, assim chamada por ter como presidente o senador democrata Frank Church, de Idaho. A comissão investigou uma ampla gama de abusos cometidos pelo Poder Executivo, entre eles operações de espionagem contra cidadãos americanos.33 A investigação da Comissão Church pintou um quadro das atividades secretas ilegais praticadas sem fi scalização do Judiciário ou do Congresso. Investigou também o envolvimento dos Estados Unidos na depo34 sição e morte do presidente socialista do Chile, Salvador Allende,34 democraticamente eleito, em 1973, mas Ford alegou imunidade do Executivo e evitou a devassa. 35 Em certo ponto das investigações da comissão, Cheney tentou induzir a Agência Federal de Investigação (Federal Bureau of Investigation, FBI)36 a investigar o famoso jornalista Seymour Hersh e a conseguir um processo por espionagem contra ele e contra o New York Times em retaliação às denúncias sobre espionagem interna ilegal praticada pela CIA. O objetivo era intimidar outros jornalistas e evitar que tornassem públicas ações secretas polêmicas da Casa Branca. O FBI recusou o pedido de Cheney de perseguir Hersh. O resultado fi nal da investigação da Comissão Church foi um pesadelo para Cheney e seu movimento de fortalecimento do Executivo: a criação de comissões parlamentares37 legalmente incumbidas de inspecionar as operações americanas de Inteligência, inclusive ações secretas. Em 1980, o Congresso aprovou uma lei38 que exigia que a Casa Branca transmitisse às novas comissões de inteligência informações sobre todos os programas de espionagem. Cheney e Rumsfeld passariam a maior parte do resto de suas carreiras tentando cercear a autoridade dessas comissões. Ao término do governo liberal de Carter, Cheney concluiu que os poderes da presidência tinham sido “gravemente enfraquecidos”.39 Durante os anos do governo Reagan, ele foi representante de Wyoming no Congresso, tendo apoiado com fi rmeza uma virada radical no sentido de dar mais poderes à Casa Branca. Charlie Savage, ganhador do prêmio Pulitzer, observa em seu livro Takeover: The Return of the Imperial Presidency and the Subversion of American Democracy [A tomada do poder: A volta da presidência imperial e a subversão da democracia americana] que o Departamento de Justiça de Reagan tentou pôr fi m “ao ressurgimento do Congresso40 [ocorrido] na década de 1970”, emitindo um relatório no qual se propunha que a Casa Branca pudesse desconsiderar leis que “se imiscuíam inconstitucionalmente no Poder Executivo”. A Casa Branca de Reagan lançou mão de um instrumento que lhe permitia reinterpretar leis e emitir decretos presidenciais que burlassem a fi scalização do Congresso. No início da década de 1980, o governo Reagan estava profundamente empenhado em incentivar uma insurgência direitista contra o governo sandinista de esquerda na Nicarágua, na América Central. A pedra de toque dessa campanha era o apoio secreto dos Estados Unidos aos esquadrões da morte dos “contras”. Reagan autorizou também que fossem minados os portos em torno da Nicarágua, o que levou ao julgamento dos Estados Unidos na Corte Mundial por uso ilegal de força.41 35 Em 1984, quando fi nalmente o Congresso americano proibiu toda a ajuda americana aos contras, aprovando a Emenda Boland,42 alguns funcionários da Casa Branca, liderados pelo coronel Oliver North, que trabalhava no CSN, deram início a um plano clandestino de arrecadação de recursos para os rebeldes direitistas, em fl agrante violação da lei americana. Esses recursos foram gerados pela venda ilícita de armas ao governo iraniano, violando o embargo de armas vigente. Catorze membros43 do governo Reagan, entre eles o secretário de Defesa, seriam processados por envolvimento nessas operações. Quando o escândalo Irã -contras se tornou público e o Congresso investigou com rigor suas origens, Cheney destacou -se como o principal defensor da Casa Branca na Colina do Capitólio, manifestando sua opinião minoritária44 em defesa do programa secreto que a maior parte de seus colegas tinha considerado ilegal. O “relatório minoritário” de Cheney defendendo a Casa Branca qualifi cava como “histérica” a investigação do caso Irã -contras. Ele afi rma que a história “deixa pouca ou nenhuma dúvida de que o presidente deve desempenhar o papel principal na condução da política externa dos Estados Unidos” e conclui que, “portanto, as ações do Congresso no sentido de limitar o presidente nessa área deveriam ser revistas com um grau considerável de ceticismo. Se prejudicarem o cerne das funções presidenciais em política externa, devem ser abolidas”. O primeiro presidente Bush indultou os aliados de Cheney condenados por ligação com o caso Irã -contras, e Cheney permaneceu como secretário de Defesa durante a Guerra de Golfo de 1991. Nessa posição, continuou dando forma a sua ideia de um Poder Executivo como poder supremo. Enquanto foi secretário de Defesa, começou a plantar as sementes de outro programa que ajudaria a consolidação da supremacia do Executivo: encomendou à Halliburton, gigante do setor de infraestrutura para campos de petróleo, um plano de privatização45 da burocracia das Forças Armadas na maior medida possível. Cheney compreendeu bem cedo que o uso de empresas privadas para travar as guerras dos Estados Unidos criaria outra barreira para a fi scalização e proporcionaria mais sigilo em torno do planejamento e da execução dessas guerras, declaradas ou não. Ele passaria a comandar a Halliburton durante a maior parte da década de 1990, atuando como ponta de lança na criação de um exército corporativo secreto que fi nalmente se tornaria o fulcro de suas guerras abertas ou secretas quando ele voltasse à Casa Branca, em 2001. Durante a era Clinton, Cheney também se dedicou ao Instituto Americano de Empreendedorismo,46 36 de orientação neoconservadora, aperfeiçoando uma agenda política e militar que poderia ser implementada a partir do momento em que seu partido voltasse ao poder. Quando o segundo presidente Bush tomou posse, Cheney se tornou o mais poderoso vice -presidente da história. E sem perda de tempo começou a trabalhar para aumentar esse poder. Em 10 de setembro de 2001, um dia antes que o Boeing 757 que fazia o voo 77 da American Airlines se estatelasse contra a parede oeste do Pentágono, Donald Rumsfeld esteve naquele mesmo edifício para fazer um de seus principais discursos como secretário de Defesa. Havia dois retratos dele na parede47 — um deles mostrava -o como o mais jovem secretário de Defesa da história americana, o outro como o mais velho. O Onze de Setembro ainda não tinha ocorrido, mas mesmo assim Rumsfeld ocupava a tribuna naquele dia para uma declaração de guerra. “O assunto de hoje é um adversário que representa uma ameaça, uma grave ameaça,48 à segurança dos Estados Unidos da América”, urrou Rumsfeld. Esse adversário é um dos últimos bastiões do planejamento centralizado do mundo. Governa impondo planos quinquenais. A partir de uma única capital, ele tenta impor suas exigências a outros fusos horários, continentes, oceanos e além. Com coerência brutal, reprime o pensamento livre e esmaga novas ideias. Atrapalha a defesa dos Estados Unidos e põe a vida de homens e mulheres fardados em risco. Rumsfeld — veterano paladino da Guerra Fria — disse a sua nova equipe que talvez esse adversário se pareça com a antiga União Soviética, mas esse inimigo não existe mais: nossos antagonistas são hoje mais sutis e implacáveis. Vocês poderiam pensar que estou falando de um dos últimos déspotas decrépitos do mundo. Mas os tempos deles também estão quase no passado, e eles não podem se equiparar à força e ao tamanho deste adversário. O adversário está mais perto de casa. É a burocracia do Pentágono. O que estava em jogo, afi rmou, era grave — “uma questão de vida ou morte, ao fi m e ao cabo, de todos os americanos”. Rumsfeld disse a sua plateia, composta de 37 antigos executivos da indústria da Defesa transformados em burocratas do Pentágono, que pretendia racionalizar as guerras americanas. “Alguém perguntaria: como é possível que o secretário de Defesa ataque o Pentágono diante de sua própria gente?”, disse Rumsfeld à plateia. “Eu responderia que não tenho vontade de atacar o Pentágono, quero libertá -lo. Precisamos salvá -lo de si mesmo.” A isso, Rumsfeld e sua equipe chamaram de “revolução nos assuntos militares”.49 A equipe estrelada de política externa de Bush subiu ao poder com uma agenda de reorganização radical das Forças Armadas americanas, para pôr fi m ao que eles chamavam de enfraquecimento das defesas nacionais da era Clinton e reativar as iniciativas de implantação de poderosos sistemas de mísseis defensivos50 favorecidos por Reagan e outros paladinos da Guerra Fria. Como lembrou Douglas Feith, vice de Rumsfeld, “a ameaça do terrorismo jihadista51 estava na lista de preocupações do governo de Bush desde que este assumiu, no início de 2001, mas chamava menos atenção do que a Rússia”. O foco no “terrorismo” nos primeiros dias do governo se centrava nas ameaças representadas por Estados- -nações — Irã, Síria, Coreia do Norte e Iraque — e levou a uma mudança de regime. Cheney e Rumsfeld tinham passado a maior parte da década de 1990 traçando um caminho que lhes permitisse redesenhar o mapa do Oriente Médio, mas não consideraram a ameaça assimétrica representada pela Al -Qaeda e por outros grupos terroristas. O Iraque, e não a Al -Qaeda, era sua obsessão. “Desde o início,52 estávamos reunindo provas contra Hussein e buscando uma forma de derrubá -lo e transformar o Iraque num novo país”, disse Paul O’Neill, ex -secretário do Tesouro. “E se fi zéssemos isso, tudo estaria resolvido. Era só encontrar o modo de fazê -lo. Essa era a questão. Que o presidente dissesse: ‘Tudo bem. Encontrem uma maneira de fazer isso’.” Na segunda reunião do CSN, em 1o de fevereiro de 2001, Rumsfeld disse abertamente: “O que queremos mesmo é pensar em como ir atrás de Saddam”. Ironicamente — apesar de todo o “blá -blá -blá” de Rumsfeld sobre a debilidade da era Clinton e das acusações dos neoconservadores contra os democratas, que teriam cochilado em relação à vigilância da Al -Qaeda —, o próprio Rumsfeld, de início, estava reticente sobre a iminência da ameaça representada pelo grupo antes do Onze de Setembro. O jornalista Bob Woodward detalhou uma reunião que teria sido realizada em 10 de julho de 2001, dois meses antes dos ataques. O diretor da CIA, George J. Tenet, reuniu -se com Cofer Black, chefe do Centro de Contraterrorismo (Counterterrorism Center, CTC) da CIA em Langley, na Virgínia.


Weblinks und Literatur