O Trilema da Proibição e a Saída de Emergência

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Leis ótimas, boas, ruins e péssimas

Tem leis ótimas, boas, ruins e péssimas. As ótimas se encontram na parte geral do código civil, por exemplo, e tem muitas boas também na matéria das drogas, como, por exemplo, as leis relativas aos cigarros. Passo a passo, essas leis restringiam as ocasiões do fumo legítimo, mas nunca o proibiram por completo. Junto com informações sobre o dano do fumo, esta legislação conseguiu a través das décadas diminuir significativamente a taxa de fumantes de quase a metade à um quarto da população e até menos.

Nos EEUU o fumo de adultos auto-declarado atingiu o pico em 1954 em 45%, manteve-se em 40% ou mais até o início da década de 1970, mas desde então diminuiu gradualmente. A taxa média de tabagismo nas décadas caiu de 40% na década de 1970 para 32% na década de 1980, 26% na década de 1990 e 24% desde 2000. Até o ano 2015, essa taxa de fumantes baixou para 15%. Desde então, não acompanhei. Mas é importante saber que à medida que o fumo diminui, os fumantes remanescentes estão se tornando fumantes mais leves, fumantes intermitentes ou mesmo sem fumar todos os dias. E à medida que você fuma cada vez menos, torna-se mais fácil sair.

Tudo isso tem a ver com a chamada arquitetura da escolha (também conhecido como nudging), isto é, cutucão ou empurrãozinho, quer dizer, a organização do contexto no qual as pessoas tomam decisões.

"Uma cutucada ou orientação é qualquer aspecto da arquitetura de escolhas que altera o comportamento das pessoas de maneira previsível sem proibir nenhuma opção nem mudar significativamente seus incentivos econômicos. Para ser considerada uma mera cutucada ou orientação, uma intervenção deve ser fácil e barata de evitar. As cutucadas não são ordens." Exemplo de arquitetura da escolha: imagem de mosca pintada no mictório.

O conceito e a expressão foram criadas no livro Nudge: o empurrão para escolha certa, dos economistas comportamentais Richard Thaler e Cass Sunstein. No livro Misbehaving: The Making of Behavioural Economics, Richard Thaler, Nóbel 2017, afirma que a releitura do O Design do dia-a-dia[6] de Donald Norman foi a inspiração para trazer os princípios do design centrado no usuário com os insights das ciências comportamentais na forma da arquitetura da escolha para elaboração de políticas governamentais públicas com objetivo de aprimorar as decisões dos cidadãos no que tange a questões como saúde, riqueza e felicidade.

Na minha opinião, seria bom aplicar estas idéias nas drogas hoje-em-dia ilegais. Porque, seja como for, a história do combate ao tabagismo é muitos mais impressionante do que o percurso das drogas ilegais.

Agora vamos ver um caso parecido, porque também se trata de drogas, mas completamente fora de controle, porque se trata das leis disfuncionais e não só ruins, mas péssimas.

Só em 2016, o Instituto Mercado Popular do Brasil publicou um informe dizendo que o Brasil teria mais de 200 mil leis, a maioria irrelevantes, inconstitucionais e ruins. Deve ser igual em todo o mundo. E certamente é igual no caso das leis antidrogas, porque - sebem que variam em termos de penas previstas - são basicamente idênticas no mundo inteiro.

A coisa é controvertida. Tem gente que pensa que as leis antidrogas são ótimas, outros pensam que tem que ser mais severas, outros ainda exigem a legalização. Será que existe um método científico para resolver este conflito e para saber se uma lei é boa ou ruim?

É preciso julgar uma lei de acordo com seus efeitos e efeitos colaterais. Na teoria do sistema se diz que uma lei é boa quando a estrutura da lei se encaixa nas estruturas da parte do mundo social que deseja influenciar. O sociólogo Gunther Teubner, como representante da teoría do sistema, chama isto o acoplamento estrutural. Uma lei bem construída, segundo Teubner, providencia relações inter-sistémicas favoráveis e duradouras, criando os efeitos desejados nas nas áreas visadas sociais e económicas. Quando falta acoplamento estrutural entre a lei e a realidade do sistema, então enfrentamos não só um dilema - a necessidade de escolher entre duas saídas contraditórias e igualmente insatisfatórias - mas um verdadeiro trilema, quer dizer uma situação embaraçosa de onde se pode sair apenas por um de três modos, todos difíceis e insatisfatórios. Uma lei com acoplamento estrutural inadequado ou fica sem efeito, ou a lei alcança, em vez do efeito desejado, o oposto, ou a lei irrita e danifica a própria esfera da coerência dogmática, quer dizer a esfera da ordem normativa da sociedade.

Agora, as leis das drogas são um caso muito especial em que elas não apresentam um trilema seletivo, mas um trilema aditivo ou cumulativo. É possível isso, ficar sem efeito, e ao mesmo tempo ter efeitos negativos na sociedade e no sistema normativo duma sociedade? Isso é difícil de acreditar, mas é possível, sim. Por determinadas razões - a natureza do delito e do combate - as leis antidrogas pertencem à um pequeno grupo de normas que conseguem ser tão ruins que nem permitem escolher uma solução ruim entre três, mas inevitavelmente geram todos os três resultados ruins: indiferênça, destrução do social e destrução do normativo,quer dizer dos elementos básicos do estado de direito.

O trilema cumulativo das leis antidrogas

se correr, o bicho pega, se ficar, o bicho come


Indiferênça

As leis antdrogas visam à supressão das drogas para ninguém pode nem possuir nem usar, quer dizer, abusar-las. Evidentemente, depois de 100 anos de guerra às drogas, que custou - só nos EEUU e só nos últimos 45 anos - quase um trilhão de dólares (sem contar os custos do encarceramento de milhares e milhares de pessoas), e em 2015 36 bilhões sem custos de encarceramento (a metade do orçamento da educação), este alvo não foi atingido. Muito ao contrario. Nunca na história tinha tantos usuários.

Teoricamente, uma guerra como essa contra as drogas deveria pelo menos exercer alguma pressão no mercado em termos de aumentar os preços, forçar os traficantes à diluir a mercadoría, ou de saír do mercado. Mas nada disso aconteceu.

Paradoxalmente isto não foi o caso. Muito ao contrario. Dan Werb, Thomas Kerr, Bohdan Noszk, e colaboradores (2013) The temporal relationship between drug supply indicators: an audit of international government surveillance systems, BMJ provaram que entre 1990 e 2007, as leis antidrogas não tiveram este efeito não. A qualidade das drogas não piorou, mas melhorou, os preços em vez de aumentar diminuíram.

Foram identificados sete sistemas metasurveillance regionais / internacionais com medidas longitudinais de preço ou pureza / potência que preencheram os critérios de elegibilidade. Nos EUA , os preços médios ajustados pela inflação e pureza ajustado de heroína , cocaína e cannabis diminuíram 81 %, 80 % e 86 %, respectivamente, entre 1990 e 2007 , enquanto a pureza média aumentou em 60 %, 11% e 161 % , respectivamente. Tendências semelhantes foram observadas na Europa, onde , durante o mesmo período, o preço médio ajustado pela inflação de opiáceos e cocaína diminuíram 74 % e 51% , respectivamente. Na Austrália , o preço médio ajustado pela inflação de cocaína diminuiu 14%, enquanto tanto o preço ajustado pela inflação de heroína e cannabis diminuíram 49% entre 2000 e 2010 . Durante este período , as apreensões dessas drogas em regiões de grande produção e grandes mercados internos em geral aumentaram.
Conclusões: com poucas exceções e apesar dos investimentos crescentes em esforços de redução da oferta baseados na aplicação, visando interromper o fornecimento mundial de medicamentos, os preços das drogas ilegais geralmente diminuíram, enquanto a pureza da droga geralmente aumentou desde 1990. Essas descobertas sugerem que expandir os esforços no controle da droga ilegal global O mercado através da aplicação da lei está falhando.

Sem dúvida: a luta global contra as drogas não se ganha do jeito e da maneira como essa guerra é conduzida. As leis antidrogas não têm o mínimo efeito, não destróiem nem irritam o mercado global ilegal. Por incrível que pareça.

Desintegração social

O objeto das leis antidrogas é a proteção da saúde pública, da vida, da liberdade, das famílias e vizinhanças, da convivência social. Na raíz do apóio popular das leis antidrogas é o medo que as drogas podem destruir todo isso.

Na realidade, as leis antidrogas fazem o contrário. Não se limitam a não frear o influxo das drogas potentes e baratas. Facilitam exatamente o que eles foram feitas a prevenir. A proibição destrói muito mais jovens e adultos, homens e mulheres, do que as substâncias em si. Não as drogas, mas a sua proibição cria o mercado ilegal, que gera gangues que geram rivalidades e brigas e mortes sem fim. Um mercado fora da lei dum volume global anual entre $426 billion and $652 segundo estimativas do relatório sobre Global Financial Integrity (GFI) de março de 2017 não pode fazer nada além de produzir quadrilhas criminosas com muitos membros no mundo inteiro.

A ilegalidade aumenta o risco e o lucro. Num mundo desigual com muita probreza e pouca moralidade generalizada, nunca vai faltar gente para entrar neste negócio. Alguns fazem lucros fantásticos. Pablo Escobar fez 420 mio USD por semana, quer dizer 60 mio por día. De 1987 à 1993, ele constava na lista Forbes dos homens mais ricos do mundo, chegando em 1989 no sétimo lugar. Também tinha 80% do mercado de cocaina dos EEUU, com 15 toneladas que ele conseguiu fazer entrar diariamente neste país.

As leis antidrogas criam a ilegalidade e a violência deste mercado. O mercado negro têm competição econômica como os demais mercados no mundo, mas diferente deles o mercado negro não pode usar as leis e as cortes para resolver conflitos de competição. Em vez do direito, eles dependem da violência. Significa um monte de mortos desnecessários ali mesmo. Os gangues das drogas são grandes e fortes, e brigam com força e intensidade. Também dependem duma ordem interna, de normas e sanções, e as sanções não podem ser privativas da liberdade, porquê não têm a infraestrutura estável para isso, muitas sanções então são violentas. Consequentemente, mesmo que o código penal não conheça a pena de morte, os tribunais do crime a conhecem, sim.

É claro que a polícia tem que combater o crime organizado. A polícia pega criminosos e às vezes mata. As cadeias são cheias - não só no Brasil, mas no mundo inteiro. São sacudidas que a polícia inflige aos gangues, mas o que acontece na realidade quando 100 criminosos morrem e 100 vão para prisão? O mercado encolhe? Lógico que não, porque as leis antidrogas aumentam o número dos criminosos e as esferas de influência dos gangues. O próprio mercado negro faz sabe curar-se após este tipo de sacudidas. Automaticamente, recruta pessoas que vão substituir os mortos e os presos. Quanto mais morrem e ficam encarcerados, quantos mais pessoas vão entrar no mercado. Assim, a esfera do crime e dos mortos pela polícia e pelos gangues está crescendo cada vez mais.

Para cada membro preso, o gangue irá recrutar um novo, para cada 10 prendidos, vai recrutar outros 10, e para cada gangue destruída, uma nova gangue vai surgir. É isso a lei do mercado. Indivíduos são substituíveis, e vão ser substituido. Morre um, vem outro. Morre o Steve Jobs, vem Tim Cook. Sai Tim Cook, vem outro. Morre Apple, vem outra empresa. O mercado é coisa supraindividual. As leis das drogas pegam milhares e centenas de milhares, mas para cada 100 000 prisioneiros, o mercado recruta outros 100 000 pessoas lá nos morros e nos bairros. Assim, cada país com leis antidrogas está contribuindo para o crescimento dos batalhões do crime. Estão aumentando a esfera do crime do país. Prendendo e matando pode-se acabar com vidas, mas nunca com mercados.

É porque a lei pode prender criminosos, mas nao o mercado ilegal, este mercado existe a pesar das prisões e até por causa das prisões e das mortes e dos homicídios. Quando existe uma demanda e uma oferta, e quando existe o dinheiro para pagar a mercadoría ilegal, então o mercado literalmente cria e recria os seus funcionários, e a cada vez que um membro dum gangue fica preso ou morto, outro vai entrar no mercado para substitui-lo, e cada vez que uma organização criminosa seja destruída, outros atores vai incorporar o negócio dela na própria organição ou fundar um nova.

E nem vamos falar da função das prisões como quarteis gerais do crime organizado, nem da falta de inteligência de combater o crime com a construção de mais prisões criando assim mais criminosos, mais quarteis gerais, mais organização e mais tudo do que a gente não quer de jeito nenhum. Não vou falar da inhumanidade das prisões que já falamos disto em nosso livrinho, o Ricardo Genelhú e eu.

A vida dos membros dos gangues é curta. Têm violência dentro do gangue, entre gangues, e entre gangues e a polícia. A polícia se sente num estado de exceção com poderes excepcionais.

Em tais lugares, a vida geralmente não dura muito, e não parece valer muito enquanto é vivida, mas é principalmente - solitária, pobre, desagradável, brutal e curta - tão natural como Thomas Hobbes imaginou uma vez. Sob o duplo criminoso político, as pessoas desejam uma vida sem medo e não violenta. Sem sonhar em saber ou usar o termo, sonham com o que se tenta entender com o conceito de estado legal.

Cada jovem que morre têm mae, pai, tios e tias, irmãos, irmãs, amigos e amigas, e a sua morte atinge todos eles, afeta famílias e contribui à desintegração da sociedade. Como diz o ex-agente da polícia antidrogas dos EEUU, Robert A. Cole, se você quer proteger as suas crianças e a nova geração luta para a legalização das drogas já. A coisa que mais põe em perigo a vida e a saúde da futura geração não são as drogas, mas sua proibição e as suas consequências nefastas.

Desintegração do direito

Uma lei disfuncional pode pode virar-se contra si mesmo e prejudicar o sistema legal. Por motivos estruturais, as leis antidrogas são perfeitas para sabotar os princípios do estado de direito. Criar uma lei artificial sem bem jurídico concreto, com uma tarefa impossível e com a necessidade de policiamento proactivo que tem que invadir a privacidade para obter conhecimento do crime, significa criar um instrumento para invasões cada vez maiores na esfera privada, com mais poderes da polícia, menos direitos para os cidadãos. O resultado é conhecido. Criminalizações antecipadas, poderes especiais, foros privilegiados para militares cometendo crimes contra cíveis, impunidade, impunização, mais mortes e menos responsabilizações.

O direito penal do inimigo. A polícia liberada de responsabilidade e soberana (Giorgio Agamben). Doppelstaat. Estado de normas e estado de medidas.

Archaisches Muster. 22 Quando um homem for achado deitado com mulher que tenha marido, então ambos morrerão, o homem que se deitou com a mulher, e a mulher; assim tirarás o mal de Israel. 23 Quando houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade, e se deitar com ela, 24 Então trareis ambos à porta daquela cidade, e os apedrejareis, até que morram; a moça, porquanto não gritou na cidade, e o homem, porquanto humilhou a mulher do seu próximo; assim tirarás o mal do meio de ti. Deuteronômio 22:22-24

A polícia atua cada vez mais de forma autônoma, sem respeito pelo fato de que no estado de direito, o poder público não é acima da lei, mas abaixo dela.

Com leis ruins e funcionários bons ainda é possível governar. Mas com funcionários ruins as melhores leis não servem para nada - Otto von Bismarck

Talvez não tinha nada a ver com drogas o caso do carroceiro Ricardo Silva Nascimento, assassinado pela polícia no dia 11 de setembro de 2017 em plena hora do rush em São Paulo.

Mas muitos tinham. Porque o Ricardo Silva Nascimento não está sozinho. Este morador de rua de 39 anos é acompanhado por uma longa lista, que já acumula apenas nos últimos dez anos mais de 5.000 nomes. Este é o total de pessoas mortas pela Polícia Militar de São Paulo no período. A maioria, ao contrário de Nascimento, que foi baleado em um bairro de classe média alta da capital, não ganhou as manchetes. São em sua maioria homens, jovens, negros, moradores da periferia e com baixa escolaridade;e, o que nenhuma ONG gosta de mencionar, muitas vezes é associado à drogas. O assunto sério é que o PM puxa o gatilho, mas as engrenagens que fomentam a impunidade e a espiral de violência vão além da farda.

Entre janeiro e março deste ano, uma em cada três mortes violentas na cidade teve um policial como autor. A quantidade de vítimas da tropa no Estado aumentou 18% no primeiro trimestre deste ano comparado com o mesmo período de 2016: de 201 para 238. No ano passado as forças de segurança foram responsáveis pela morte de 856 pessoas. Para efeito de comparação, em 2016 apenas cinco pessoas foram mortas pela polícia em todo o Reino Unido.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informou que “desenvolve ações para reduzir as ocorrências envolvendo policiais que resultam em mortes, seja dos agentes ou de criminosos”. De acordo com a pasta, graças ao “emprego da tecnologia, a polícia chega cada vez mais rápido aos locais das ocorrências e, muitas vezes, se depara com a presença dos criminosos, aumentando assim as chances de confrontos”. Ainda segundo o texto, nos primeiros cinco meses de 2017 “65,2% dos confrontos com a Polícia Militar resultaram em prisão, fuga ou lesão corporal do criminoso envolvido, não havendo o resultado de morte”.
A letalidade das policias do Estado acaba se voltando contra a própria instituição. “A Polícia de São Paulo é uma das que mais mata no mundo, mas também é uma das que mais morre”, afirma Guaracy Mingardi, ex-investigador da Polícia, ex-secretário de Segurança Pública de Guarulhos e ex-subsecretário nacional de Segurança Pública. “Nos casos em que existe um criminoso armado, a chance dele se dispor a trocar tiros com a tropa é muito maior porque ele sabe que se for pego pode ser morto”. Nos três primeiros meses deste ano 9 policiais perderam a vida (em serviço ou de folga) e 108 ficaram feridos em São Paulo. No Rio, de janeiro a julho, foram 90 PMs mortos. Mingardi diz ainda que apesar da alta taxa de mortos por policiais em confronto ou em situações irregulares, “a violência da policia de São Paulo não faz com que diminuísse a violência na sociedade”.

Os que conhecem a realidade da lei dizem que existe uma conivência dos superiores de policiais envolvidos em assassinatos suspeitos. Afirmam que “Falta menos conivência e mais punição. A única resposta possível a essa ação dos policiais que mataram o carroceiro seria a prisão em flagrante”. Listam uma série de condutas ilegais adotadas pelos policiais envolvidos na ocorrência, que “por si só”, justificariam a prisão em flagrante. Mas para eles, culpar apenas o policial pelas “tragédias” cotidianas seria simplificar um problema complexo. Vejam uma falha no Ministério Público. Cabe a ele exercer o controle externo da atividade da polícia, logo ele deveria assumir a apuração dos fatos e responsabilizar os culpados. Isso não ocorre”. Tem muitos casos nos quais promotores do Ministério Público de São Paulo ignoravam evidências forenses que apontariam excessos cometidos pela tropa – e inocentavam as vítimas.

Muitos promotores deixam de oferecer a denuncia por homicídio cometido por policiais, e quando oferecem eles relativizam a gravidade, afirma Martim Sampaio, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. “E temos juízes de primeira e segunda instância que entendem que o policial que matou, ainda que fora dos parâmetros legais, realizou um serviço em prol da sociedade”.

Exemplo: a decisão dos desembargadores Ivan Sartori, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Camilo Léllis e Edison Brandão, que votaram pela anulação do julgamento que condenou 74 PMs pelo Massacre do Carandiru.

El agente asegura ser parte de uno de los diez nuevos y secretos equipos de operaciones especiales de la policía. Cada equipo cuenta con 16 miembros. Dice que los equipos son coordinados para ejecutar una larga lista de objetivos: supuestos drogadictos, narcotraficantes y criminales. - Los asesinatos se cometen durante la noche, indica, con agentes encapuchados y vestidos íntegramente de negro. Sincronizan sus relojes y en uno o dos minutos han sacado al objetivo de su casa y lo matan en el instante. Rápido, preciso, sin testigos. - El agente dice que después tiran el cuerpo en el siguiente pueblo o bajo un puente, o le cubren la cabeza con cinta de pintor y le colocan un cartel sobre el cuerpo que pone “narco” o “camello”. - “Ponemos carteles para que los medios o los investigadores piensen ‘por qué voy a investigar la muerte de este tío, si era un camello, un violador, no importa, investigaré otra cosa. Lo que le sucedió fue lo mejor para todos", explica.
El policía dice que lo designaron miembro del equipo de operaciones especiales justo después de que Duterte fuera elegido presidente. Recuerda su primera reunión con sus superiores, en la que le explicaron cómo trabajarían. - “Entonces nos explicaron que ‘a partir de entonces todo sería diferente: 'Vamos a tener que neutralizar a todos los narcotraficantes y asesinos que tenemos identificados de casos anteriores. Ésa es la orden. Necesitamos tu talento especial”. - Luego detalla que el líder del equipo es contactado por radio y con un código específico se le pide que se reporte en la base. A cada agente se le asigna un código numérico para identificarlo. Luego les dan una carpeta con información de los objetivos, información sobre narcotraficantes, drogadictos y delincuentes que deben “neutralizar”. - “Por ejemplo, nos envían un fotografía, un perfil de un individuo –explica el agente–. Automáticamente, uno o dos agentes de mi equipo van a donde vive el individuo y antes hacemos una revisión de antecedentes". - El equipo investiga a los objetivos para determinar si están involucrados en la venta de drogas u otras actividades ilegales, si son “temerosos de Dios” o “parásitos”, y luego se actúa según el caso. - “Así que evaluamos el caso y hacemos justicia", dice. “Y por supuesto es el gobierno el que nos da la orden para que lo hagamos". -

Segundo o tenente-coronel Souza, existe ainda outra engrenagem que torna possíveis os assassinatos cometidos por PMs:a sociedade. “Em última instância, quem julga o policial matador é o tribunal do júri. Quem sentencia são os sete jurados, então não adianta apenas culpar o policial, se posteriormente o comportamento dele é premiado pela população com uma absolvição”, afirma. - Mingardi concorda com Souza, mas destaca um outro ponto da questão. “Nas listas de jurados você pode ver, é só gente de classe média: metade da população é pobre, mas se tiver um dos sete jurados pobres já é muito”, diz. Para ele, a mentalidade de que “vagabundo bom é vagabundo morto é mais facilmente encontrada na classe média”, até porque as camadas populares são as mais vitimadas por arbitrariedades da PM.

“Impunidade. Esta é a palavra. Os crimes praticados por PMs, em sua grande maioria, caem na impunidade. Mesmo quando vai a tribunal de júri, a maioria resulta em absolvição, na maioria das vezes por falta de provas”, diz Souza. “Isso é uma carta branca para novos crimes”. Genelhú: impunização.

E como se isso não bastasse, numa situação caótica como essa, surge outra ameaça para a vida das pessoas, as chamadas milícias. No Rio de Janeiro, o termo Milícia foi associado a práticas ilegais, geralmente são grupos formados em comunidades urbanas de baixa renda como conjuntos habitacionais e favelas sob a alegação de combater o crime narcotráfico porém mantendo-se com os recursos financeiros provenientes da venda de proteção da população carente e cobrança de pirataria na rede de informação.

Matéria sobre as milícias (Fábio Barretto, 2012): O fenómeno e o seu significado (04:00 - 07:00)
Megaoperação para desarticular a milícias que atuam nos morros da cidade (2009)
Poder das milícias (2012)
Milícia domina quase metade das favelas do Rio de Janeiro (2013)

Quando ninguém cumpre a lei, nem os policiais nem os militares nem os PM nem os promotores nem os juízes e os júris, a coisa está braba. Os países com leis antidrogas tem crise porque as leis fazem que ninguém mais cumpre a lei. E há uma outra consequência séria: sem confiança, as pessoas evitam vínculos emocionais com qualquer outra pessoa, e não apenas com seus agressores. É um estado de sobrevivência, e não de convívio. E, na sobrevivência, é cada um por si.

Os países com políticas mais liberais em matéria de drogas são países onde os servidores públicos ainda estão obedecendo as reglas e onde o estado de direito ainda funciona razoavelmente: Dinamarca, Holanda, Portugal, Alemanha,

Onde a política das drogas é duríssima, já não funciona mais o estado de direito. Staaten mit geringer kriminalpolitischer Rechtsstaatlichkeit: 1-10: Venezuela, Bolivia, Honduras, Liberia, Afghanistan, Mexiko, Panama, Guatemala, Kamerun, Kambodscha 11-20: Libanon, Nicaragua, Myanmar, Belize, Äthiopien, Russland, Bangladesch, Kirgistan, El Salvador, Dominikanische Republik 21-30: Uganda, Serbien, Kolumbien, Peru, Guayana, Kenia, Sierra Leone, Ekuador, Zimbabwe, Philippinen 31-40: Elfenbeinküste, Marokko, Pakistan, Indonesien, Moldawien, Brasilien, Ukraine, Madagaskar, Türkei, Trinidad und Tobago. Die durchschnittliche Homizidrate beträgt global 6,9 pro 100 000 Bevölkerung. Die Staaten mit hoher Rechtsstaatlichkeit haben Homizidraten von 1,6 (Finnland); 0,56; 0,51; 0,25; 0,99; 0,3; 0,61; 1,15; 0,85; 0,92 (UK). Durchschnitt ca. 0,7 Homicides, bzw. homicidios. Wenn es denn schon Herrschaft geben muss (was natürlich zu diskutieren wäre), dann ist der Rechtsstaat so etwas wie ihre ideale Form. Die Staaten mit geringer Rechtsstaatlichkeit haben Homizidraten von 57 (Venezuela); 12 (Bolivia); 63 (Honduras); 3,2; 6,5; 16,3; 11,3; 31,2; 5,9; 1,8 (Durchschnitt: ca. 21; Verhältnis 1:30). Tödliche Gewalt der Polizei gegen Bürger ist in gut funktionierenden Rechtsstaaten eine seltene Ausnahme. In Deutschland pro Jahr zwischen 3 und 21 Opfer, der Durchschnitt liegt bei etwa 8). Gesetzwidriges Handeln seiner eigenen Organe erklärt der Rechtsstaat zu strafbarem Handeln, also zu

Urgência

As restrições da soberania nacional em matéria de drogas

  • Bebidas alcoólicas e cigarros: pluralismo global.
  • Drogas: Convenções desde Convenção de ópio 1912 os estados foram obrigados a proibir cada vez mais drogas. Organismos internacionais foram criados para supervisionar o cumprimento dos acordos e, quando apropriado, impor sanções severas. Em casos extremos, um país pode ser excluído do comércio internacional com medicamentos inclusive os que constam na lista da OMS como sendo essenciais.

Porquê não basta seguir o Portugal ou a Holanda

En algunos países europeos hay despenalizaciones de los consumidores de drogas ilícitas. Por ejemplo La Política sobre drogas en Chequia (ingl.) tolera la posesión de ciertas cantidades de drogas para el uso personal. Semejantemente, la Politica sobre drogas en Portugal (cast.) tolera 25g de marihuana, 5g de hashish, 2g de cocaina y 1g de eroina. Hughes, Caitlin Elizabeth & Alex Stevens (2010) What Can We Learn From The Portuguese Decriminalization of Illicit Drugs? En 2003, una comisión del Parlamento Europeo recomendó la derogación de la Convención de 1988, encontrando que: [A] pesar de despliegue masivo de la policía y otros recursos para la aplicación de las Convenciones de la ONU, la producción y el consumo y el tráfico de sustancias prohibidas han aumentado de forma exponencial en el últimos 30 años, lo que representa lo que sólo puede ser descrito como un fracaso, que la policía y las autoridades judiciales también reconocen como tal ... [L] a política de prohibición de las drogas, sobre la base de los Convenios de 1961, 1971 y 1988 de la ONU, es la verdadera causa del aumento de los daños que la producción, el tráfico y la venta y el uso de sustancias ilegales están infligiendo a sectores enteros de la sociedad, en la economía y en las instituciones públicas, la erosión de la salud, la libertad y la vida de las personas. El camino hacia la derogación sería difícil. Las naciones individuales pueden retirarse del tratado en virtud de las disposiciones del artículo 30. Sin embargo, el ex funcionario de drogas de la ONU Cindy Fazey notas, el Convenio no tiene cláusula de rescisión, y por lo tanto permanecerá en vigor incluso si sólo un signatario quedaba. El informe del Partido Radical Transnacional señaló que la denuncia es la única vía para cambiar el régimen de control establecido por el tratado: En cuanto a la Convención de 1988, escrito con el objetivo principal de fortalecer todos los aspectos de la prohibición (también en el nivel de consumo, establece la inversión de la carga de la prueba a las personas sospechosas de portar sustancias prohibidas), se considerará que no modificable, por lo tanto, la única manera posible de hacerlo sería su denuncia por un número sustancial de las Partes contratantes (Transnational Institute (TNI): Control de Drogas de la ONU: Convenciones (cast.)).

Opções

Não obstante o primeiro século de repressão internacional ser visto como um sucesso pelas próprias agências mundiais de repressão, o crime organizado cresceu durante esse tempo, suprindo cada vez mais consumidores (Werb et al. 2013), e hoje há mais pessoas usando drogas “do que em qualquer outro ponto da história do controle de drogas”. Como afirma a Global Commission on Drugs (2014), a comunidade internacional “está mais longe do que nunca de realizar um ‘mundo livre de drogas’”’”, um fracasso em seus próprios termos. A ineficácia, contudo, é apenas um aspecto. A proibição tem consumido bilhões e enriquecido criminosos. A ONU estima em 230 bilhões de dólares o valor anual do mercado ilícito de drogas. Imensuráveis danos têm sido causados à saúde e à segurança, à atividade judicial, à ordem legal e ao desenvolvimento econômico em todo o mundo. Enquanto isso, países que experimentaram alguma espécie de descriminalização não economizam somente os custos com a repressão, mas também salvam vidas.

Tendências divergentes Há, entretanto, tendências divergentes. Apesar de também submetidos ao regime internacional de proibição, alguns países tentam adotar uma política mais pragmática, enquanto outros buscam o sucesso com medidas extremas. Aos poucos, mas demonstrando forte tendência, uma “zona de pragmatismo” (Bewley-Taylor 2012) predominantemente ocidental vem se opondo a uma “zona de dogmatismo” predominantemente oriental. As diferenças são mais acentuadas com relação às estratégias de redução de danos e à legalização da maconha. A cannabis se tornou “o ponto mais vulnerável em todo o edifício internacional”, e divergências persistentes nessa questão podem vir a “arruinar todo o sistema”.

Pragmatismo

O pragmatismo tem sua base filosófica na ética consequencialista, e considera uma ação moralmente correta se esta produz consequências predominantemente benéficas. Tal postura tem sido a de alguns países ocidentais (europeus), que introduziram terapias de substituição de opióides, programas de agulhas e seringas e salas de injeção, seguindo uma tendência de punir menos, principalmente no que diz respeito ao consumo. Apesar de criticados pela ONU, que os acusa de descumprir os tratados, tais países garantem ao organismo internacional que suas políticas não significam violações dos tratados e que se mantêm firmes no cumprimento de suas obrigações internacionais. Evidentemente, países como a Holanda e Portugal ampliam as possibilidades de interpretação da lei ao máximo e contradizem, no mínimo, o espírito do proibicionismo. Tal política tem sido denominada de “leve renúncia” (Bewley-Taylor 2012). Conquanto a leve renúncia (soft defection) não seja uma alternativa ao proibicionismo, pois mantém os princípios proibicionistas, tenta suavizar suas consequências na vida real. Com efeito, são países sempre prontos a negar qualquer dissidência. Além disso, a descriminalização adotada na esfera do consumo sequer alcança o nível de tolerância existente nos EUA nos 14 anos de proibição do álcool. Contudo, essa “leve renúncia” pode ser um importante precedente a indicar mudanças legais futuras. Entre os exemplos de “leve renúncia” estão os coffeeshops holandeses e a descriminalização portuguesa de 2001.

Coffee shops holandeses

O fenômeno dos coffee shops na Holanda, onde a venda de produtos da cannabis (principalmente maconha, mas também haxixe) para uso pessoal a indivíduos acima de 18 anos é tolerada pelas autoridades locais, é o exemplo principal e mais importante, bem como o que melhor demonstra as limitações do pragmatismo no mundo da proibição internacional. Desde 1970 a Holanda tem mantido uma posição tolerante com relação aos usuários de cannabis. O país possui aproximadamente 325 mil usuários regulares entre os seus 16 milhões de habitantes. Amsterdã, especialmente, atrai um grande número de estrangeiros “turistas da droga”. Atualmente, em 2017, mais de 100 dos 443 municípios holandeses permitem pelo menos um coffee shop. Todavia, tanto como resultado de pressão internacional, como em razão de políticas conservadoras nacionais, o número de coffee shops diminuiu de 2 mil para mais ou menos 600, com cerca de 160 em Amsterdã. Na Holanda, uma pessoa adulta pode cultivar até seis pés de cannabis para uso próprio. A venda de cannabis é “ilegal, mas não punível”. A lei não é aplicada e não haverá repressão, desde que os coffee shops se mantenham a uma distância mínima de 250 metros de qualquer escola, respeitem a regra de (1) não fazer propaganda, (2) não vender ou tolerar o uso de drogas pesadas em suas instalações, (3) não vender para ninguém abaixo de 18 anos, (4) evitar o barulho ou qualquer distúrbio da paz, (5) não vender mais do que 5 gramas para cada consumidor e não armazenar mais do que 500 gramas em suas instalações. São os municípios que decidem quantos coffee shops serão permitidos nos seus territórios, assim como se reservam ao direito de proibir a venda de cannabis a turistas. O coffee shop que violar qualquer das regras pode ser fechado temporariamente (entre três e seis meses) ou permanentemente. O sistema de licenciamento foi adotado com base em recomendações que indicavam o risco relativamente aceitável associado à cannabis, e nas vantagens que o licenciamento traz mantendo a separação entre drogas leves e pesadas. O resultado dessa legalização de fato da cannabis na Holanda foi um aumento da oferta da droga, mas – interessantemente – sem correspondente aumento no consumo. E em um período em que a cannabis tem sido intensivamente reprimida nos EUA, mas legalizada de fato na Holanda, a comparação do uso de cannabis entre pessoas de 15 a 64 anos revelou taxas mais elevadas de pessoas que consumiram cannabis pelo menos uma vez na vida nos EUA (41,5%) do que na Holanda (25,7%). Juridicamente, a base para o sistema de coffee shops está em uma distinção entre o direito escrito e o direito posto em prática. De acordo com a Lei do Ópio holandesa de 1976, a posse de cannabis continua sendo crime, mas o princípio da conveniência (expediency principle) – segundo o qual a repressão não deve ser uma resposta automática à ilegalidade – permitiu ao Ministério da Justiça dar uma menor prioridade às infrações relativas ao consumo de cannabis. Usou-se o argumento, de alguma forma sofista, de que os tratados internacionais apenas exigem a criminalização, mas não dizem nada a respeito da efetiva execução, para “alargar a flexibilidade das convenções dentro de seus próprios limites” (185). Havia, e.g., um plano minucioso para impedir a venda clandestina passível de ser causada pela permissão dos coffee shops. Tal plano, denominado “Coffeeshops out of the Shadow” (1998), propunha ampliar a possibilidade do sistema de licenciamento aos produtores, os quais supririam a demanda dos coffee shops com a garantia de possibilidade de fiscalização sobre a qualidade e os impostos. De sua parte, os proprietários dos coffee shops se obrigariam a comprar somente dos produtores licenciados, afastando seus negócios da cena do tráfico internacional e mantendo o comércio local na esfera da legalidade. Tal plano não pôde ser levado a efeito devido à oposição tanto dos EUA como dos órgãos relacionados à política de drogas da ONU (186 f.). Assim, o regime mundial de proibição acaba obrigando o sistema semilegal holandês de venda de canabis a recorrer aos importadores e produtores ilegais, permanecendo intrinsecamente frágil e vulnerável.

Descriminalização em Portugal Em 2001, uma nova lei de drogas entrou em vigor em Portugal. Essa lei – conhecida comumente como Lei da Descriminalização do Consumo – “alterou a forma como se vê um consumidor de drogas, deixando de lado o preconceito que o comparava a um criminoso, passando a considera-lo uma pessoa necessitada de ajuda e apoio especializado”. Como explica o Serviço Nacional de Saúde: “a aquisição, a posse e o consumo de drogas deixou de ser considerado crime em Portugal. O consumo foi descriminalizado, mas não despenalizado. Consumir substâncias psicoativas ilícitas continua a ser um ato punível por lei, contudo deixou de ser um comportamento alvo de processo crime (e como tal tratado os tribunais) e passou a constituir uma contraordenação social. A lei introduziu algumas inovações: Criaram-se as “comissões para dissuasão da toxicodependência (CDT)”, serviços especializados, criados especificamente para a aplicação da lei, para onde são encaminhadas as pessoas que são encontradas consumindo ou em posse de drogas. Tais serviços devem existir em todos os distritos de Portugal, assim como nas regiões dos Açores e Madeira. As CDT são comissões multidisciplinares que ouvem os indiciados para avaliar a gravidade da situação e tomar as medidas que entender cabíveis, que podem se constituir em trabalhos para comunidade, encaminhamento a serviço especializado ou multa.

“Consumo próprio” foi definido como uma quantidade que não exceda a média de uso de 10 dias, sem distinção entre as drogas, sejam leves ou pesadas, e independentemente do uso ser público ou privado. O art. 15 da lei portuguesa estabelece que os consumidores não viciados podem ser condenados ao pagamento de uma multa ou, alternativamente, a uma pena não pecuniária, tal como uma advertência. As multas podem variar entre 25 euros e o salário mínimo vigente, mas expressamente só podem ser aplicadas em último caso.

Na falta de evidências sobre a dependência ou de repetidas violações, a comissão deve, de acordo com o art. 11, suspender o procedimento, sem impor qualquer sanção. Tal suspenção pode ser aplicada inclusive nos casos de indivíduos com violações anteriores, na medida em que eles aceitem se submeter a tratamento. Com base no art. 14, as comissões podem inclusive suspender a pena daqueles a quem foi aplicada alguma sanção, condicionando a suspensão igualmente a tratamento, encerrando-se o procedimento ao final deste. Em 2009, avaliando a lei de drogas portuguesa, Glenn Greenwald resumiu seus efeitos da seguinte forma: “Desde que Portugal aprovou o seu método de descriminalização de 2001, em muitas categorias o uso de drogas diminuiu efetivamente quando medido em termos absolutos, embora em outras o uso tenha aumentado apenas leve e suavemente. Nenhum dos desfiles de horrores que os oponentes da descriminalização em Portugal previram, e que os oponentes da descriminalização no mundo todo invocam, ocorreu. Em muitos casos, ocorreu exatamente o oposto, como o declínio do uso em categorias chaves e a contenção dos males sociais relacionados à droga. O verdadeiro efeito da descriminalização portuguesa somente pode ser observado na comparação do uso e das tendências pós-descriminalização em Portugal com os outros países europeus, assim como com países não europeus (...) que continuam criminalizando drogas inclusive para uso pessoal. E, virtualmente, em todas as categorias de algum significado, Portugal, desde a descriminalização, tem superado a grande maioria dos demais países que continuam a aderir ao regime de criminalização” Diante da ausência dos efeitos negativos temidos (como o aumento do uso de drogas e a enxurrada de turistas invadindo o país para consumo) e da quantidade de efeitos positivos (um significante declínio das doenças transmitidas sexualmente e a queda do número de acidentes relacionados a drogas) surpreende pouco o fato de que há uma satisfação geral com a lei nova e nenhuma força política, independentemente da corrente, pedindo o retorno da situação legal anterior. A estratégia de leve renúncia afasta as sanções criminais da esfera do consumidor, mas mantém a base da ideia proibicionista – abolir a produção, o transporte e a distribuição das drogas para uso recreacional – intacta. É um sinal de inconformismo e inovação, mas carente de lógica e coerência legais, tornando-a vulnerável a ameaças de sanções tanto a nível nacional como internacional.

1.3.2 Dogmatismo Em outras partes do mundo, a insatisfação com o insucesso da proibição tem levado a reações contrárias àquelas da zona do pragmatismo. Diversos países, como Arábia Saudita e China – muitos dos quais de maioria mulçumana – têm estado permanentemente entre os mais fieis apoiadores do sistema mundial de proibição. Consideram-se inclusive traídos pelos países pragmáticos e buscam o sucesso adotando a estratégia de fazer mais do mesmo. O uso da pena de morte é o indicador do agravamento da postura nessas regiões. Contrariamente à secular tendência de abolir a pena capital na maioria dos países (o número dos países abolicionistas cresceu de 16 em 1977 para 140 em 2015), o número de países com pena de morte para os delitos sem violência relacionados às drogas cresceu de 10 para 33 no mesmo período. Tal radicalismo pode ser explicado com base em inúmeras variáveis culturais, mas também nas frustrações com a falência crônica dos métodos proibicionistas em cumprir suas promessas. Essas frustrações são prontamente exploradas pela classe política. Em tempos de inconformismo social e recessão econômica, campanhas prometendo purificar a sociedade de elementos indesejados, marginalizando parte da sociedade e a fracionando (in-group/out-group mechanisms), acabam se transformando em uma forma de produzir coesão social. Anteriormente, tais campanhas de limpeza social eram restritas a organizações paraestatais como milícias, vigilantes ou assemelhados. Todavia, desde o início do século XXI, casos de envolvimento de governos ou mesmo de iniciativas governamentais têm sido mais frequentes. Dois exemplos são as conhecidas campanhas de limpeza social na Tailândia e nas Filipinas.

Tailândia sob Thaksin Em 2003, o primeiro ministro da Tailândia, Thaksin Shinawatra liderou uma campanha nacional para acabar com o problema das drogas em três meses. Nomes de suspeitos foram colocados em três listas criadas pela polícia, por oficiais do governo e pelo Departamento Nacional de Narcóticos. Governantes e chefes de polícia de 75 províncias receberam promessas de imunidade e ordem para neutralizar pelo menos metade dos nomes da lista, i. e., remover tais pessoas de posições oficiais (caso ocupassem uma), encaminhá-las para campos terapêuticos, ou eliminá-las. Depois de três meses, todos os governantes e os chefes de polícia, além de informarem terem cumprido suas cotas, disseram ter reduzido o número de traficantes em 50%. Em números oficiais, 2.274 mortes foram registradas; mais de 400 políticos e funcionários perderam suas posições; aproximadamente 300 mil indivíduos foram encaminhados a tratamento compulsório, 15 milhões de comprimidos foram confiscados; e governantes e chefes de polícia receberam as recompensas prometidas – a neutralização do maior traficante de anfetamina valeu um milhão de bath, a moeda tailandesa (US $ 23. 000). O primeiro ministro venceu as reeleições e, apesar de posteriormente ter sido processado por crimes econômicos, o assassinato em massa de suspeitos nunca resultou em qualquer procedimento legal.

Filipinas sob Duterte Em 2016, Rodrigo Duterte oficializou, como presidente das Filipinas, uma prática antiga desse país de executar extrajudicialmente os suspeitos de tráfico. Em público, alegou ter participado pessoalmente de tais execuções antes de sua eleição, afirmando que era a única maneira de resolver o problema nacional das drogas. Pediu ao seu público, primeiramente, um período de três a seis meses e, depois, um prolongamento da sua operação de limpeza. Como Thaksin na Tailândia, Duterte baseou sua operação em uma lista de suspeitos e promessas de recompensas (com prêmios maiores por uma morte do que por uma prisão). Após seis meses, e com a operação ainda em andamento, mais de 6 mil suspeitos ou dependentes já tinham sido assassinados pela polícia ou por vigilantes; mais de 40 mil tinham sido presos e mais de um milhão tinha fugido para os campos de tratamento ou para as prisões. Entre as vítimas estavam figuras públicas e políticos eleitos, mas a maioria era de pessoas pobres, incluindo crianças de rua e outros jovens. Depois de críticas oriundas da ONU, Duterte, ainda extremamente popular em seu país, ameaçou abandonar a organização internacional, ridicularizando publicamente as preocupações com direitos humanos (“Eu não me importo com direitos humanos, acreditem-me) e falou em público para seus cidadãos: “Se você conhece algum viciado, vá e mate-o”. Com os custos da guerra às drogas aumentando em muitas partes do mundo, a presença ou ausência de alternativas à proibição tem chamado a atenção.

Alternativas A alternativa à proibição é a regulamentação. Para substituir a proibição por qualquer tipo de regulamentação, as drogas devem ser excluídas da vedação legal, i. e., devem ser legalizadas. Legalizar significa criar acesso legal às drogas anteriormente proibidas, significa admitir o direito de adultos usarem as drogas anteriormente proibidas conforme a sua própria discricionariedade, e especialmente para fins não-medicinais, mas sim recreativos. A legalização das drogas pode se basear em condições meramente pragmáticas. Se a abordagem mais dura (proibição) se prova impraticável e ineficiente, outros métodos podem parecer mais promissores. Ser duro não é o mesmo que ser inteligente, e às vezes as ações inteligentes são mais eficientes. A legalização pode também ser baseada na ética consequencialista. Diferente do imperativo moral kantiano, a ética consequencialista favorece as políticas com os melhores resultados. Se providenciar o acesso as seringas limpas e drogas pode prevenir uma epidemia, que seja feito. A legalização pode igualmente ser baseada em princípios jurídicos e em filosofia do direito. O liberalismo defende o direito humano a autodeterminação e não permite que o Estado interfira nos direitos de um indivíduo em nome de um presumido melhor interesse desse indivíduo. Ao Estado é permitido influenciar as motivações dos indivíduos com informações, incentivos, e com os conhecidos “nudges”, medidas estatais suaves que levem à mudança de comportamento, conforme o conceito de “paternalismo liberal” (Thaler, Sunstein 2003). O paternalismo liberal deixa de recorrer às sanções penais e permite a liberdade de decisão aos indivíduos, limitando a mudanças mais ou menos sutis de acordo com as condições sob as quais os cidadãos vão fazendo suas escolhas. Substituir a proibição pela regulamentação, e as sanções penais por “nudges” é uma alternativa à proibição, o que pode ser aprendido com as políticas que reduziram com sucesso o uso do cigarro sem o recurso das sanções penais.

Novo controle das drogas Uma boa abordagem para um controle positivo do uso de drogas não deve tratar o uso como um flagelo ou uma ameaça, mas como uma questão de saúde, o que implica em uma mudança no processo de culpabilização, promovendo mais apoio do que punição. Tal como se faz com doces e refrigerantes, não haveria proibição da produção nem do comércio, mas se tentaria influenciar os consumidores com informações, talvez com impostos, e mais provavelmente com alterações na arquitetura de suas decisões (nudges). Trata-se – em resumo – da abordagem adotada pelo projeto europeu, o qual tenta estipular uma nova administração da questão da dependência (Anderson et al. 2017) – assim como é a abordagem sugerida atualmente pela Global Commission on Drug Policy (2014). Para tal abordagem, as drogas não são um mal, mas uma mercadoria com potenciais benéficos e perigosos. Usuários adultos não são vítimas, mas cidadãos responsáveis que possuem direitos e obrigações, possuem o direito de usar drogas e de se abster, assim como o dever de suportar as consequências. Possuem o direito à solidariedade social – no mesmo nível do usuário de qualquer droga, como os fumantes e usuários de bebidas alcoólicas. Não mais, não menos. Na visão liberal das tradições jurídicas ocidentais, o indivíduo é livre para fazer o que ele ou o que ela quiser na medida em que ele ou ela não viole os direitos dos outros. O Estado regulamenta a segurança alimentar em geral, mas a administração dos riscos concretos e do prazer fica a cargo do indivíduo, que pode ser advertido com informações, mas as intervenções na saúde pública não devem proibir o acesso legal a substâncias de risco como a manteiga, os hambúrgueres, o chocolate, ou a drogas como o álcool, as anfetaminas, o tabaco, a cannabis ou a cocaína. Esse raciocínio deixa o Estado e a lei com uma quantidade de instrumentos de controle dos riscos da droga, os quais muitas vezes são mais eficazes que a proibição absoluta – como, por exemplo, a taxação, limites espaciais ao consumo (proibição do consumo de drogas em locais fechados, prédios públicos, restaurante, etc.) ou intervenções na arquitetura do processo de tomada de decisão das pessoas, no sentido do “nudge” do paternalismo liberal. Esse novo controle das drogas ocuparia uma posição intermediária entre a ultra proibição e a irrestrita promoção comercial das drogas, como mostra o gráfico a seguir:

A regulamentação pode ser tanto restritiva como liberal.

Regulamentação restritiva: Uruguai Partindo do pressuposto de que seria melhor e mais seguro vender cannabis legalmente do que permitir ao crime organizado administrar o mercado, o Uruguai (3,3 milhões de habitantes, com estimados 120 mil usuários de cannabis) foi o primeiro país do mundo a se desviar abertamente do regime mundial de proibição, legalizando formalmente a produção e a venda de maconha em dezembro de 2013. A Lei 19.172 revogou formalmente a proibição de cannabis e introduziu um sistema de regulamentação restritiva. Declarando que “o Estado assumirá o controle das atividades de regulamentação, importação, exportação, plantio, cultivo, colheita, produção, aquisição a qualquer título, armazenamento, comercialização e distribuição da cannabis e seus derivados”, a nova lei estabeleceu um monopólio estatal sobre a cannabis, a ser gerido pelo Ministério da Saúde e seu Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (IRCCA). O IRCCA agora concede licenças a produtores privados de maconha em grande escala, em local secreto, para colheita anual máxima de 22 toneladas, regula a distribuição da maconha com controle de preço de aproximadamente um dólar por grama (o governo não cobra impostos sobre o valor agregado), e autoriza às farmácias a instalar software de identificação biométrica do consumidor, assim como também a instalar caixas de proteção para armazenar os dois quilos máximos de maconha que a cada farmácia é permitido manter em estoque. Os consumidores podem portar até 40 gramas para uso próprio, e podem plantar até seis pés em suas residências. Podem ser formados clubes canábicos de até 45 pessoas, autorizados a plantar até 99 pés, desde que não vendam sua colheita. Pessoas que querem vender (até 10 gramas por semana) devem se registrar no governo. Atividades ilegais permanecem puníveis com prisão, que variam de um mínimo de 12 a 20 meses a um máximo de 4 a 8 anos.

Regulamentação liberal Uma regulamentação liberal não exigiria que os potenciais compradores de drogas se registrassem junto ao governo, e trataria os produtores e distribuidores de drogas ilícitas da mesma forma como são tratados os produtores e distribuidores de drogas lícitas hoje em dia, i.e., não limitaria os pontos de venda às farmácias (assim como não se compra bebidas alcoólicas ou cigarros em farmácias), e o tratamento jurídico e econômico dos empresários também não seria muito diferente do concedido às indústrias do álcool e do cigarro. Em alguns países ocidentais há algo como uma normalização do consumo da cannabis, com a droga cada vez mais integrada na vida cotidiana, e com os ambientes sociais e jurídicos se adaptando a esse fato. Uma análise da mudança no status legal da cannabis mostra que – enquanto não se vislumbra uma total regulamentação liberal, que pode nunca acontecer – alterações em vários Estados dos EUA, como Colorado, Califórnia, Nevada e Massachusetts, parecem tender mais a uma regulamentação liberal do que restritiva. Semelhante à mudança de julgamento moral com relação aos direitos (casamento) dos homossexuais e gays, a atitude pública frente aos usuários de maconha parece ter mudado para uma de maior tolerância: • Depois de uma onda de criminalização entre 1913 e 1933 (com o Texas permitindo a prisão perpétua por posse de cannabis em 1931) e a primeira onda de descriminalização entre 1973 e 1978 (quando alguns Estados como a Califórnia, Nova York, Ohio, e inclusive Texas, rebaixaram os delitos relacionados a cannabis de crime para contravenção), a maconha foi permitida para o tratamento do glaucoma e dos efeitos colaterais da quimioterapia no Novo México e na Virgínia (1978, 1979), anunciando uma onda de legalização da maconha medicinal em 25 Estados de 1996 a 2016. Finalmente, o Colorado foi o primeiro Estado a votar a favor da maconha recreacional em 2012 (abrindo as primeiras cinco lojas de cannabis legalizadas em 2014), no que foi seguido por mais sete Estados até 2016.

• A Califórnia permite que pessoas acima de 21 anos comprem, transportem, possuam e compartilhem sem fins comerciais até uma onça (28,3 gramas) de maconha e 8 gramas de haxixe, desde que respeitem as restrições prescritas com relação a menores e à segurança do tráfego. O Estado emite licenças para o cultivo e para a comercialização, todavia, o comércio com outro Estado continua proibido. O mercado de cannabis da Califórnia é um mercado fechado de 40 milhões de pessoas, não poucas fumantes de maconha. Enquanto se estima que os cidadãos norte-americanos gastem em torno de 30 bilhões de dólares anualmente em produtos derivados da cannabis, com ao menos 24 bilhões desaparecendo nos bolsos do crime organizado, o mercado da Califórnia pode estar redirecionando parte desse dinheiro para fins legais, aumentando a receita fiscal. Além disso, estudos de mercado indicam que, com a legalização da cannabis, a venda de cerveja despencou.

Mudanças

De acordo com os atuais tratados de drogas da ONU, qualquer alternativa à proibição é uma violação ao direito internacional. Qualquer país que deseje legalizar a cannabis, por exemplo, tem que encontrar alguma forma legal (alterando ou revogando o tratado de drogas da ONU) ou enfrentar sanções. Mas mudar ou revogar qualquer um dos três tratados não é tarefa fácil.

Revisão de tratado Tratados podem ser modificados ou emendados. Modificar significa mover uma ou mais drogas de um nível de controle para outro, recatalogando (re-scheduling) a droga, ou removendo uma ou mais drogas do tratado de uma forma geral (excluindo a droga do catálogo). Emendas consistem em uma alteração formal de certas disposições (artigos) do tratado, com força vinculativa para todos os países partes do tratado.

Modificação Os Estados interessados em legalizar a cannabis podem solicitar à Organização Mundial de Saúde que “reveja” a cannabis, i.e., que avalie de forma diferente os riscos à saúde de um lado e, de outro, a sua utilidade médica. O Comitê de Peritos em Drogodependência da organização poderia emitir uma recomendação positiva para remover a cannabis para uma categoria de risco mais baixo ou removê-la da lista de substâncias controladas (deletion). Na etapa seguinte, a Commission on Narcotic Drugs (CND), composta de representantes de 53 países, deveria aceitar a recomendação. Teoricamente, requereria o voto de 27 países em favor da eliminação da droga – e a cannabis estaria livre da proibição internacional. Infelizmente, contudo, para os países reformistas, três obstáculos legais e políticos tornam esse objetivo praticamente impossível:

  • A força do bloco proibicionista liderado pelos EUA e composto pelas próprias agências de controle de drogas da ONU, Japão, mais os países árabes, asiáticos e africanos, faz com que seja ilusória a esperança de um voto positivo na comissão (sem mencionar que a CND, na prática, tem o hábito de negociar até chegar a um consenso).
  • Mesmo a eliminação da cannabis não seria suficiente para abolir a proibição do cultivo da planta (igualmente para a coca), vinculada que está em disposição especial da Convenção Única de 1961.
  • Qualquer decisão de remover a cannabis do âmbito da convenção poderia ser facilmente anulada. A objeção de um simples Estado é suficiente para enviar a decisão para o Conselho Econômico e Social da ONU para revisão. Embora o Conselho tenha a última palavra sobre o assunto – pode aceitar, alterar ou rejeitar a decisão da Comissão – não há possibilidade real de que a maioria dos 54 membros do Conselho vote pela supressão da cannabis – e mesmo que houvesse, uma decisão positiva não seria capaz de anular a proibição de cultivo da cannabis da Convenção Única.

Emenda

Emendas aos tratados de 1961, 1971 e 1988 podem ser propostas por qualquer Estado. Se o Uruguai, por exemplo, propusesse uma emenda para afastar a cannabis da proibição, o Secretário Geral da ONU iria consultar o Conselho Econômico e Social, o qual avaliaria a questão. Após, o Conselho publicaria a propostas para todos os membros do tratado, solicitando manifestações. Em caso de ausência de resposta negativa nos 18 meses seguintes, a proposta de emenda estaria automaticamente em vigor. Provavelmente, entretanto, alguns países levantariam sérias objeções e, nesse caso, o Conselho rejeitaria diretamente a alteração proposta ou decidiria convocar uma conferência para discutir o assunto. Nesse último caso, dificilmente a emenda não seria rejeitada pela maioria dos participantes. O Estado proponente derrotado (nesse caso, o Uruguai) teria três opções: a renúncia (resignation), levar a questão ao Tribunal Internacional de Haia, e abandonar o sistema do tratado por intermédio de uma declaração formal de denúncia.

Denúncia

Todos os países têm o direito de abandonar o sistema de controle de drogas da ONU. Hipoteticamente, se mais de 140 países decidem finalizar suas adesões aos tratados de 1961 e 1971, isso não só resultaria no fim das adesões desses países, mas revogaria os próprios tratados (ao passo que o tratado de 1988 não possui cláusula de rescisão, o que significa que continuaria em vigor mesmo com um único país membro restante).

O que parece uma maneira fácil de recuperar a soberania sobre a administração da questão das drogas é um caminho repleto de obstáculos. São tantas as barreiras, na verdade, que até os países mais reformistas geralmente nem sequer cogitam em tentar tal opção. Se o Uruguai quisesse se livrar da obrigação internacional de proibir a cannabis, e.g, teria que formalmente notificar o Secretário Geral de que estava desejando abandonar a Convenção de 1961 (assim como provavelmente as de 1971 e 1988), e, depois de seis meses no mínimo (o prazo varia), a denúncia entraria em vigor, ficando o país livre para decidir como desejasse.

Contudo, tal deserção do regime mundial de proibição geraria algumas consequências negativas. Com efeito, uma denúncia desse tipo colocaria qualquer país em sérios riscos com:

  • O sistema de saúde, uma vez que excluiria o país do comércio mundial de remédios, incluindo as drogas listadas pela OMS como essenciais para tratamentos médicos.
  • A economia, já que a adesão às três convenções de drogas é condição de preferência em muitos acordos comerciais (igualmente, por sinal, de acesso à União Européia) e o
  • Sistema político, vez que estaria correndo o risco de perder prestígio moral na comunidade internacional, ser sancionado ou desprezado como narco-estado ou algo parecido.

Reserva

É comum que Estados façam reservas ou outros tipos de declarações interpretativas unilaterais relativas a certas disposições dos tratados por ocasião da assinatura, a fim de excluir ou modificar o efeito da disposição para o país autor da reserva. De fato, muitos países usaram essa opção ao aderirem às três convenções, mas nenhuma dessas reservas tinha a ver com alternativas à proibição. Uma vez que praticamente todos os países são membros dos três tratados, reserva referente a uma reforma não proibicionista – e.g. a legalização da cannabis – só poderia ser realizada mediante o instituto da reserva tardia. Reservas tardias – apresentadas por países já membros do tratado – dependem da boa vontade de todos os demais signatários, vez que a ONU, como depositória do tratado, só aceitará a reserva no caso (raro) de nenhum dos outros países objetar. Por isso, apresentar uma reserva tardia para a legalização da cannabis não é um caminho aparentemente possível, pois não somente um, mas muitos países – e países muito importantes – seriam vigorosamente contra e tornariam a iniciativa infrutífera. No entanto, podem haver duas formas de contornar os possíveis obstáculos da reserva tardia. A primeira começaria com uma proposta de emenda derrotada, seguida por uma denúncia, imediatamente seguida por um pedido de re-adesão ao tratado, desta feita com uma reserva (contendo a proposta original, mas com seu efeito valendo apenas para o país propositor). Tal estratégia foi adotada – com sucesso – pela Bolívia, com relação à folha de coca. A segunda se daria com a recusa do país em legislar na esfera criminal, conforme requerido internacionalmente, contra o cultivo, a compra e a posse de cannabis, em razão das disposições constantes em sua própria Constituição. Se o Ministro da Justiça do governo de um determinado país – hipoteticamente auxiliado por uma decisão da Suprema Corte – chegar à conclusão de que certas criminalizações ofendem a Constituição do país, poderia haver uma justificativa para o não cumprimento das exigências do tratado.

Modificação inter se Os países reformistas poderiam acordar entre si (inter se) em modificar o tratado de drogas da ONU com relação a cannabis. Tal modificação seria válida apenas para aquele grupo de países, e só seria permitida se não infringisse os “direitos decorrentes do tratado ou o cumprimento de suas obrigações” para com os outros países, e enquanto não fosse “incompatível com a efetiva execução do objeto e com a finalidade do tratado como um todo”. Tal opção não foi tentada até agora, mas poderia “fornecer uma base legal justificando o comércio internacional entre jurisdições nacionais que permitissem ou tolerassem a existência de mercado lícito para uma substância em particular, mesmo que o comércio internacional não seja permitido em razão das obrigações constantes no tratado da ONU”. Tal modificação inter se poderia ser usada para permitir o comércio de cannabis entre Marrocos e Holanda ou a folha de coca entre Bolívia, Argentina e Equador, onde o uso da folha é igualmente legal segundo a lei nacional. Por certo, a permissão mútua para o comércio entre países não proibicionistas poderia provocar reações furiosas, mas dificilmente poder-se-ia arguir que tais modificações inter se afetaram os direitos de outras partes ou o funcionamento dos tratados em si.

A saída de emergência

A política da desconsideração Em muitas partes do mundo, inclusive entre as superpotências mundiais, a legislação internacional ainda não é, ou deixou de ser, levada a sério. Não só desde a sua decisão de “não assinarem” o tratado de Roma sobre o Tribunal Penal Internacional, mas os EUA têm demonstrado reiteradamente que – mesmo contrariando a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados – um país pode decidir ser seletivo sobre o que vai obedecer em relação às obrigações internacionais, e simplesmente ignorá-las quando aparentemente não satisfazem seus interesses. Por mais estranho que possa ser, tal circunstância abre a possibilidade de uma estratégia promissora para as alternativas à proibição, pois os países reformistas seriam capazes, por exemplo, de instituir regimes, restritivos ou liberais, de regulamentação da cannabis a nível nacional. Tal política de desconsideração levantaria sérias questões, mas poderia ser justificável e efetiva se integrada em uma estratégia mais ampla. Assim, as duas principais questões passíveis de serem opostas a tal procedimento têm a ver com o risco ao próprio país e à ordem internacional:

  • O país desobediente correria riscos similares aos causados por uma denúncia formal – de um seletivo boicote farmacêutico, passando por danos à sua reputação, até sanções econômicas e cortes de ajudas – e se refutar a censura por sua desobediência alegando que está meramente emulando os hábitos hegemônicos, provavelmente seria lembrado de maneira bem áspera do significado do provérbio latino quod licet Iovi, non licet bovi (o que é permissível a Júpiter não é permissível a um boi).
  • No que diz respeito ao sistema internacional de tratados, a política de abandono a sangue frio de acordos poderia, afinal, contribuir para a destruição total do sistema de tratados.

Por outro lado, a desobediência poderia ser justificada alegando-se uma espécie de autodefesa contra um regime antiquado – de alguma forma jurássico – de proibição, o qual tem privado os Estados de sua soberania sobre a administração das drogas, tal qual um paciente em camisa de força, privado da sua liberdade de movimento. Argumento capaz até de ter algum efeito se embutido em uma estratégia maior de um grupo de nações reformistas.

Todos os países estão conscientes dos custos potenciais da dissidência e normalmente incapazes e sem interesse de confrontar a ONU e o campo proibicionista e, além do mais, o vínculo político e jurídico das drogas com outras questões, como com a luta contra o crime organizado e o terrorismo, aumentou ainda mais os custos morais, políticos e econômicos da dissidência.

Nessas circunstâncias, as chances das políticas de desconsideração – como praticada pelo Uruguai (e alguns Estados dos EUA) em relação à regulamentação da cannabis – dependem da ação coletiva dos países reformistas. Um grupo de nações reformistas poderia resistir melhor às pressões proibicionistas do que uma única nação. Agindo como um grupo influente com fortes poderes de barganha, os países não seriam tão vulneráveis às sanções que se seguiriam à denúncia do tratado.

A denúncia coletiva por um razoável número de países da Europa, Australásia, América Latina e Caribe seria forte o suficiente para colocar todo o regime de proibição em questão – ou, mais provavelmente, para persuadir a ONU e as nações proibicionistas a estarem mais abertas para emendas ou modificações nos tratados.

Dadas as tendências diametricamente opostas das políticas de drogas, o futuro não deve pertencer a nenhum grande e único esquema de solução. O futuro pode pertencer a uma repatriação da política de drogas, com cada país decidindo por si mesmo o tipo de controle de drogas que prefere adotar. São muitos sistemas legais, culturas, religiões e tradições diferentes no mundo. Os países são livres para escolher suas políticas de tabaco e álcool, por que não as de cannabis e coca?

Diversidade Global Livres novamente para escolher o seu próprio sistema de controle de drogas, os países poderiam criar regulamentações que melhor correspondessem às suas tradições, necessidades e circunstâncias locais. Possivelmente, assim, países em condições semelhantes acabariam por adotar políticas semelhantes. Essas políticas se cristalizariam em torno de três arquétipos que já marcam o mapa da política mundial com relação ao álcool. No que diz respeito à cannabis, por exemplo, alguns países poderiam manter a proibição, enquanto outros introduziriam, sem problemas, políticas regulamentadoras diversas, restritivas ou liberais. O cenário, na prática, pode ser ilustrado com base na política atual de controle do álcool, a qual é estruturada sobre três arquétipos, como já mencionado, sendo que países com ideias semelhantes adotam políticas similares. Se a soberania sobre a política de drogas fosse restaurada, um futuro mapa mundial do controle de cannabis poderia ser semelhante ao atual da política do álcool:

  1. O modelo de proibição (penal) “saudita” veda a produção, importação, exportação e venda de álcool. Esse modelo é dominante em muitos países de maioria mulçumana, como Mauritânia, Sudão, Irã, Paquistão e Iêmen. Na Arábia Saudita, os supermercados são proibidos de vender até enxaguante bucal (“Listerine”). – Se esses países ficarem livres para escolher a sua própria política com relação à cannabis, provavelmente manteriam a proibição.
  2. O modelo “norueguês” (monopolista) de regulamentação restritiva é dominante nos países escandinavos, mas também no Canadá e em alguns Estados dos EUA. Um monopólio estatal (normalmente combinado com um sistema de licenciamento) restringe a oferta e o acesso, muitas vezes também por intermédio de impostos elevados. Ao restringir o número dos pontos de venda e seus horários de funcionamento, esse modelo pode ser tido como uma terceira via entre a proibição e o mercado livre. Após uma experiência de proibição no início do século XX, a Noruega passou a adotar uma regulamentação restritiva. Posteriormente, esse país se contentou com o monopólio do varejo das bebidas com teor alcoólico superior a 4.75% alc.; a partir de 1999 e 2002, respectivamente, o vinmonopolet tem permitido a compra por self-service nas lojas e on-line. – Estando livre para adotar a sua própria política para a cannabis, esses países provavelmente manteriam a proibição ou adotariam a regulamentação restritiva.
  3. O modelo liberal (mercado) “francês” de regulamentação é dominante na maior parte da Europa e na América Latina. Trata o álcool de forma semelhante à maioria das demais mercadorias, estabelecendo, entretanto, regras para a proteção de menores, sobre o tráfego e para a segurança no trabalho. – A partir da possibilidade de escolha, a política com relação à cannabis poderia permanecer proibitiva ou mudar para uma regulamentação restritiva, com alguns países podendo mesmo dar à cannabis um status comum, tratando-a não muito diferentemente da forma com que trata o álcool.

Conclusão

O proibicionismo não está frente a um dilema, está frente a um trilema de ineficácia (drogas continuam sendo consumidas), de dano à sociedade (a elevação das taxas de criminalidade, corrupção e repressão), e de dano à ordem jurídica (erosão dos direitos dos cidadãos e do Estado de Direito). Alternativas apontam para a legalização e pedem uma abordagem diferente, que situe o problema das drogas não como uma ameaça à sociedade, mas como uma questão de saúde como outra qualquer. A alternativa à proibição é a regulamentação. A transição da proibição para a regulamentação é a legalização. A regulamentação pode ser restritiva ou liberal. Enquanto a primeira coloca a questão a cargo dos órgãos de saúde pública, a segunda confia no mercado e em medidas de sutil influência, como a tributação, a informação e os nudges. Qualquer tipo de regulamentação enfrenta, entretanto, um sem-número de obstáculos legais e políticos quase intransponíveis devido a um regime de proibição internacional extremamente rigoroso. É legalmente fácil denunciar as três convenções de drogas da ONU, mas praticamente impossível para um único país. Um grupo de países, entretanto, poderia ter suficiente poder de barganha para tentar uma estratégia de descumprimento coletivo das obrigações proibicionistas desses tratados. A proibição global tem causado estragos em todas as partes do mundo – especialmente na América Latina. Tragédias no México, na América Central e em vastas regiões de outros países têm dado origem a novas análises e iniciativas, que tem a possibilidade de estimular mudanças fundamentais para melhor.


Pode-se perguntar por que devemos ajudar a subalterna a não ser baleada pela polícia? Também é do nosso interesse. Nós não queremos viver em um mundo onde a proibição de drogas é ineficaz, arriscando a vida e a saúde de muitas pessoas, destruindo a confiança e a empatia tornando-se um recurso raro.

Queremos viver em uma sociedade, não em um mundo esquizofrênico em que o Estado constitucional pertence apenas à classe média e os desfavorecidos vivem sem direitos. É por isso que precisamos de paz na guerra contra as drogas. Agora.

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Entweder archaische Muster der Elimination und der verkappten Sklaverei

oder eine Gesellschaft mit Recht fuer jeden

Mundo Em paz consigo mesmo e com os outros